Outro dia, outro blog
Outro blog? Sim, perdi as contas de quantos já houveram. Quantos outros comecei a escrever, não sei ao certo. E pouco fôlego tenho para relatar quanto tempo mergulhei na concepção, desenvolvimento e materialização de blogs passados. Este é um recomeço.
Há mais de uma década, em 2004 (uh, faz tempo!), a blogosfera estava em seu boom! : haviam por volta de 30 milhões de blogs por todo o ciberespaço[1], um crescimento exponencial se comparado a anos anteriores. Composto por uma absoluta maioria de pequenos diários pessoais (selfie textual, não?), blogs tornavam-se mainstream. Na época, eu não tinha blog, eu não tinha site, não havia textão de Facebook - ufa! - e tão pouco haviam frases limitadas em tuítes. Mark, aquele tal de Zuckerberg, ainda blogava solitário de seu dormitório universitário sobre bebedeiras e o amor rejeitado de sua ex. A rede social ainda corria em passos desajeitados nas mãos de Mark e seguia a remadas para o Velho Continente. Neste distante ano, eu me mudava de cidade e me iniciava profissionalmente em uma pequena empresa de Tecnologia de São Paulo.
Iniciando essa minha tal de vida adulta, eram tempos das trocas de "ois" serem feitas por ICQ (e um pouco mais tarde, MSN), onde todos nós nos correspondíamos: amigos de outras cidades, usuários do site Viva o Linux!, "colegas" e, também, claro!, clientes da empresa onde eu trabalhava. Fora disso, havia o off-line.
Nesse reduto restrito e desconectado, tudo!, para mim pelo menos, tudo corria diferente. O ritmo diário da empresa era acelerado, entre dias e noites de trabalho sem dormir, alternávamos e discutíamos sobre o presente e futuro do Linux, sobre as novas plataformas que emergiam de pequenas cabeças nerds, sobre networking, linhas e mais linhas de códigos, música, política, pfff!... e muitos outros assuntos. Acredite: muitos outros em muitas horas de trabalho! O silêncio fazia-se quando, se por alguma sorte no planejamento (ou não!), o resto de mim - ou do outro - jogava-se exaurido entre três cadeiras minuciosamente alinhadas para servir de porto ao sono de uma hora. Duas horas, talvez; três, nunca. Os curiosos companheiros de andar, que perdiam-se pelos corredores do prédio comercial, adentravam nos 20 metros quadrados de escritório aos tropeços em caixas de pizza Dominos, cadeiras e peças de computadores, devido a visão enubulada pela fumaça de cigarro pairando no cômodo.
O relógio - leia-se prazo! - não parava, e braços cruzados apenas aceleravam mais seu tic-tac; tic-tac-tic-tac-tic...! Vez ou outra, coisa rara!, haviam respiros para desestressar e sair fora da rotina: conversas em boteco para falar de mais trabalho. Entre as mesas de botecos da região marcávamos "reuniões e encontros profissionais". Numa reunião dessas de uma sexta-feira qualquer foi onde entrei em contato com as pessoas responsáveis pelo Google em seu primeiro escritório no Brasil. Entre copos de cerveja e conversas foi-me dito para criar um blog - um termo já muito familiar a época. "Você precisa se inserir no mercado através dos seus textos, através de um blog", diziam. "O Google indexa seu nome com base no que há publicado na Internet, e com um blog você aumentará as chances de ser exibido no topo das buscas... isso também é networking, piá!".
Seguindo o conselho, criei meu primeiro na plataforma Blogger. O primeiro texto foi uma crônica para quem estava mais habituado a práticas de códigos e cálculos matemáticos numa tela de computador do que um texto em mãos. Péssimo! O texto foi lido por quase três pessoas no escritório e ficou nisso, e não passou disso. Meu nome continuava no final da primeira página do Google.
A publicação deste primeiro texto rendeu-me incentivos para continuar a escrever, e seguir a utilizar a plataforma, mas o trabalho me obrigou a sucateá-la. Enquanto isso, emergia um site chamado Orkut, entre muitos o primeiro contato com o social network digital; ingressara na rede social para "criar seu network e outros contatos profissionais", aconselhavam-me. Mal sabíamos que depois o Orkut se tornaria a maior comunidade brasileira da Internet, com agrupamentos e comunidades como "Eu odeio segunda-feira", o network dos preguiçosos. Outro tempo após, pensando no que restava de minha saúde física e psicológica, mudei. Não apenas de empresa, mas a rotina alterou-se. E assim se seguiram por mais alguns anos: empresas diferentes, em diferentes regiões, outros tantos cafés, viagens (com outra tentativa de blog), e livros tomando conta do meu físico, ao digital. Com muitos de outros "eus" ingressara na faculdade de Jornalismo. Não como uma "decisão decidida", mas daquelas que o acaso nos bate.
Durante o ano eu havia realizado provas e vestibulares para um rol de variadas disciplinas. A graduação em Ciências da Computação em trânsito durante aquele meu período de estudo havia sido interrompida com as situações financeiras precárias da instituição de ensino[2] que me abrigara como estudante, até então. "FALÊNCIA" , li no cartaz adesivado à porta de vidro do edifício. A transferência de estudos para outras faculdades foi facilitada; elas se propuseram a abrigar os abandonados na crise, mas já não havia mais espaço para aquilo em mim. O momento de escolha sobre o Jornalismo deu-se, como eu disse, numa "cutucada" do acaso: sentado a frente do contrato de adesão à nova instituição, com as letras destacadas no papel "PROPAGANDA e MARKETING", perguntei: "Seria possível mudar a minha opção de curso escolhida?". "Claro, ainda é possível. Sua segunda opção é para o curso de Letras, certo?". "Sim, mas opto por nenhuma das duas em que me inscrevi. Escolho Jornalismo".. E assim decidiu-se sobre mim. E dei-lhe razão.
Depois do Nine-Eleven - 11 de setembro de 2001, ato terrorista que derrubou as Torres Gêmeas nos Estados Unidos -, a imprensa tradicional, cercada de mimimis e preocupações mercadológicas e financeiras, vai a terapia. Assim como eu, ela também estava travando uma batalha de autoconhecimento para compreender a posição ocupada em um novo meio que não detinha controle algum das informações. A imprensa estava perdendo espaço de leitura para o digital, o virtual; a Internet.
Este é um recomeço: mais uma pretensão minha de criar um blog com o intuito de escrever e escrever e escrever. Desta vez, neste blog, sobre o Jornalismo Digital, privacidade na Internet, segurança, mas não só. Trivial? Nem tanto. O tema central é a privacidade dos nossos dados, um direito fundamental como a liberdade de imprensa e de expressão; um tema que a Velha Guarda do Jornalismo busca compreender fazendo uma pergunta. O recomeço é compreendermos e desvendarmos juntos o enigma: quem são os novos guardiões da informação? Da nossa informação...?